Para as vozes do subsolo
Bloquear um hater é um ato de respeito pelo livre-arbítrio do “homem do subsolo”
"Eu sou um homem doente... Eu sou um homem mau. Um homem desagradável."
Memórias do Subsolo, Dostoiévski
Decidi visitar minha antiga e empoeirada página do Facebook, abandonada há anos.
Quando desisti dela, aquele espaço tinha se tornado uma cracolândia de haters — um espaço onde a vulgaridade, a ignorância e o ódio dominavam, refletindo o clima político brasileiro de 2018. Quis dar uma segunda chance ao sítio do Zuckerberg e, claro, eles voltaram. Grosseiros, toscos e vulgares como sempre.
Esses energúmenos, em sua ignorância militante e ruidosa, revelam involuntariamente um desconforto psíquico próprio. Como o narrador de Memórias do Subsolo, que, em sua amargura e isolamento, escolhe a autossabotagem.
O hater das redes sociais faz o mesmo: prefere o ataque ao diálogo, a vulgaridade ao debate livre, construtivo, democrático e ilustrado. Quando um destes reage com agressividade, sua mensagem é clara: "Não me trate com mais respeito ou inteligência do que eu acredito merecer; não me desafie com ideias que não consigo assimilar."
Como o homem do subsolo de Dostoiévski, ele prefere se afastar e atacar o que faz com que se sinta inferior. A hostilidade se torna uma forma de autoproteção, uma barreira contra a vulnerabilidade desconcertante da sua própria condição.
Esse comportamento não é novo. Ivan Turguêniev, em Diário de um Homem Supérfluo, descreve um protagonista que se define por sua irrelevância. Ele não busca participar da vida; ele se contenta em observar de fora (literalmente, um outsider), envolto em cinismo e apatia. Da mesma forma, o hater assiste à distância, esperando o momento de destruir aquilo que não entende.
Complexo de Inferioridade e Dissonância Cognitiva
Alfred Adler, com seu conceito de complexo de inferioridade, mostra que indivíduos que se sentem inferiores tendem a adotar comportamentos agressivos como defesa. A agressão é a maneira mais rápida de evitar o desconforto de se sentir pequeno. Nas redes sociais, onde o anonimato reina, esse comportamento covarde impera também pelo clima de impunidade.
Já Leon Festinger, com a teoria da dissonância cognitiva, descreve o desconforto que surge quando alguém é confrontado com ideias que desafiam suas crenças. Para não lidar com esse sentimento, o hater escolhe atacar a fonte da ideia incômoda. É uma maneira de proteger seu mundo limitado e frágil, sem precisar se abrir para novas possibilidades. A escolha confortável da ignorância militante.
O Perdão
“Mas não deveríamos, como cristãos, perdoar?”
Sim, o perdão é fundamental. Só que a sabedoria do perdão está no entendimento metafísico do livre-arbítrio. Em Deuteronômio 30,19, lemos: "Invoco hoje o céu e a terra como testemunhas contra vós, que vos propus a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência." Cada um de nós é responsável pelas próprias escolhas. O perdão está sempre disponível, mas é preciso que o outro aceite de coração aberto a oferta.
"E se ninguém vos receber, nem escutar vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés."
Mateus 10,14
Quando Jesus, em Mateus 10,14, orienta seus discípulos a sacudir o pó dos pés quando não forem bem recebidos. Ele nos ensina que não devemos forçar a compreensão, a empatia ou o diálogo. O perdão deve ser sempre oferecido, mas a escolha de aceitar ou não cabe a cada alma, livremente. Quando um hater escolhe o caminho da grosseria, da burrice ou do ódio, é dever do cristão respeitar sua escolha e rezar pelo destino de sua alma.
Bloquear um hater, portanto, é um ato de respeito pelo livre-arbítrio do “homem do subsolo”. É reconhecer que o outro fez uma escolha — e insistir em tentar alterar seria, no limite, um desrespeito autoritário à sua autonomia. O bem só faz sentido em oposição ao mal.
Os haters, como Caliban em A Tempestade de Shakespeare, não buscam a reconciliação ou o entendimento. Eles querem vingança. Caliban, ressentido com Próspero, não quer compartilhar a ilha; ele quer que todos experimentem o mesmo sofrimento que ele. Para o hater, o ataque é uma maneira de nivelar o jogo — não pelo crescimento mútuo, mas pela destruição.
Como diz Provérbios 9,8, “Não repreendas o escarnecedor, para que não te odeie; repreende o sábio, e ele te amará." A sabedoria está em reconhecer quem está pronto para o diálogo e quem escolheu o subsolo. Bloquear é, assim, um gesto de pacificação do espaço de debate e uma forma de dizer: "respeito sua escolha."
Em Romanos 12,18, lemos: "Se for possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens." Às vezes, porém, a paz com um indivíduo específico não é possível. Quando não é, cabe a nós sacudir o pó dos pés e seguir em frente.
Retomar minha página no Facebook foi uma experiência curiosa. Eles gritam, atacam, mas no fundo choram, incapazes de lidar com o que desafia suas pequenas mentes. E, enquanto eles permanecem presos no subsolo, seguimos adiante — serenos, tranquilos, e em paz.
Borges, sempre seus textos são esperados por mim, com grandes expectativas.
Neste você se superou.
Vou arquivar para várias releituras...
Para mim tocou forte a palavra Livre-Arbitrio
Meu e do próximo!
Aprender a lidar com ele é um grande passo, para sermos civilizados, aqui mesmo nesta rede ou nas próximas que decidirmos nós conectar.
Dizia a meu alunos em sala de aula, no século passado:
Respeito a sua liberdade, tanto quanto você respeita a minha!
Tudo já deu certo.
Excelente como sempre! Obrigado pelo texto!