Não há nada de novo na Nova Direita.
Novo artigo para a Gazeta do Povo. Tema: a tal "nova direita" e seus alegados intérpretes.
Nas eleições de 2014, Jair Messias Bolsonaro foi o deputado federal mais votado do estado do Rio de Janeiro, recebendo 464.572 votos de eleitores fluminenses (6,1% do total). Ele conquistou seu sétimo mandato consecutivo no Congresso Nacional com quase quatro vezes mais votos que obteve na eleição anterior, quando ficou em 11º lugar (1,5% dos votos). O bolsonarismo não nasceu naquele ano, mas sua votação inédita e expressiva mostrava que algo estava mudando na política brasileira, um processo que ainda está em andamento.
A derrota de Donald Trump nas eleições de 2020 enterrou um odioso mercado de livros que tentavam explicar o "nacional-populismo" ou a "alt-right", mas não passavam, na melhor das hipóteses, de diatribes ideológicas de um progressismo elitista, afetado e, na essência, antidemocrático. Se você leu "Como funciona o fascismo" (Jason Stanley), sabe exatamente do que estou falando.
Nem tudo que foi lançado na época foi um equívoco constrangedor. Há exceções honrosas de todos os lados. Desde o excelente e indispensável "O fim da classe média" (Christophe Guilly), passando por "Brexit" (Roger Scruton) até "Por um populismo de esquerda" (Chantal Mouffe), houve autores que entenderam o que estava acontecendo, mas foram poucos. No geral, apenas gritos histéricos de "o fascismo está chegando!", de triste memória.
O Brasil, que sempre chega atrasado nos modismos intelectuais, resolveu ter sua parte nesse latifúndio editorial com livros igualmente infelizes sobre a "nova direita", "novo integralismo" ou bolsonarismo, um fenômeno que talvez ainda demande algum distanciamento para a elaboração de teses minimamente críveis, originais e intelectualmente honestas. Se mercados maduros ainda lutam para dispor títulos dignos de nota, o que diremos do Bananão? É como procurar agulha em palheiros.
Um dos melhores livros e o mais premonitório sobre os tempos atuais no Brasil é, sem dúvida, "A Imaginação Totalitária" (Francisco Razzo), escrito naquele longínquo 2014 que deu quase meio milhão de votos a Bolsonaro e publicado no ano seguinte. O filósofo e colunista desta Gazeta fez uma investigação séria, não ideológica, nada oportunista e suprapartidária sobre o risco do pensamento totalizante e autoritário que persiste no país e merece todos os aplausos, mas assim como aconteceu com nos países desenvolvidos, foi uma vela quase solitária acesa em meio a trevas.
Razzo soube identificar com precisão a raiz das perversões políticas, assim como Edmund Burke dois séculos antes e Michael Oakeshott há algumas décadas, o perigo da política como "fé" ou "esperança", uma metafísica que imanentizava a escatologia em substituição aos princípios cristãos fundadores do que entendemos por Ocidente. O "paraíso na Terra", de Marx, nada mais é do que isso.
O erro mais comum é tratar o conservadorismo como uma doença do espírito, uma pneumopatologia como diria Eric Voegelin, e não uma opção política não apenas defensável, mas a epítome da prudência e do ceticismo político. Quem cai nessa esparrela busca identificar o agente patogênico que produziu a enfermidade na alma do paciente para depois propor, diretamente ou não, a cura. O autor pretende, nestes casos, realizar um exorcismo político que tire daquele corpo o patógeno maligno e devolva o paciente para o estado natural da humanidade, ou o que entendem por progressismo. Patético, mas vende.
O conservadorismo no Brasil nasceu em 26 de abril de 1500 (6 de maio, se corrigido para o calendário atual), quando o Frei Henrique Soares de Coimbra rezou nossa primeira missa, acompanhada por colonizadores e indígenas, no sul da Bahia. Quando a cruz de Cristo se levantou pela primeira vez "ao som do mar e à luz do céu profundo" deste berço esplêndido, num domingo de Páscoa, e uma homilia católica foi proferida, este solo foi batizado e começamos a história propriamente dita do que viria a ser este país. E nada indica que a metafísica cristã, fonte originária do conservadorismo, vai nos abandonar. Amém.
https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/alexandre-borges/nao-ha-nada-de-novo-na-nova-direita/