Um dos mais importantes reis armênios, Tigranes "o Grande", que viveu um século antes de Cristo, quando recebeu a notícia de que seu inimigo, o romano Lúculo, estava se aproximando com seus soldados, ficou tão irritado que mandou cortar a cabeça do mensageiro. Segundo Plutarco, ninguém mais teve coragem de levar uma má notícia a Tigranes, que passou a ficar cercado apenas de bajuladores e perdeu completo contato com a realidade da guerra. A Armêniaacabou dominada pelos romanos.
Se você ainda duvida da importância que damos às notícias positivas, lembre que o texto mais importante e influente da história da humanidade, o Evangelho, significa literalmente "boa nova". Como disse Sófocles na Antígona, "ninguém gosta de quem traz más notícias". Temos a tendência irracional e injusta de odiar quem não nos diz o que queremos ouvir desde sempre e nada indica que vamos mudar.
O mensageiro que tem um alvo pintado no peito atualmente são os institutos de pesquisa de opinião que trazem notícias desagradáveis aos espíritos mais sensíveis e militantes. O Brasil já teve um número ínfimo de empresas especializadas em captar, na medida do possível, os humores do eleitorado, mas hoje há dezenas de institutos divulgando regularmente resultados de seus levantamentos, balizando as decisões de campanha mais importantes dos principais candidatos. Você pode não acreditar em pesquisas eleitorais, mas os políticos acreditam e por bons motivos.
Temos a tendência irracional e injusta de odiar quem não nos diz o que queremos ouvir desde sempre e nada indica que vamos mudar.
As pesquisas eleitorais erram? É preciso responder com honestidade essa questão, mais complexa do que parece. O objetivo das pesquisas é mostrar um retrato da realidade num determinado momento, dentro de uma margem de erro esperada, mas não devem ser vistas como uma espécie de mapa astral das eleições, uma previsão esotérica das urnas. Cada eleitor pode mudar de ideia no próprio dia da votação, o que faz o exercício de adivinhação do resultado final um tiro no escuro.
Num levantamento feito pelo site Poder360 sobre as eleições de 2020, o Datafolha teria "errado" o resultado de todos os quatro pleitos avaliados, ou seja, o instituto divulgou resultados que não refletiam acuradamente, dentro da margem de erro, o percentual de votos válidos recebidos pelos candidatos. Vale lembrar que o próprio site tem seu instituto de pesquisa e é concorrente do Datafolha, o que deve ser considerado ao ler a matéria.
Em São Paulo, o Datafolha previu a vitória de Bruno Covas (PSDB) na disputa contra Guilherme Boulos (PSOL) por 55x45, mas a contagem de votos nas urnas foi 59x41 para o tucano, uma diferença de 4 pontos quando a margem de erro da pesquisa era de 2 pontos. O instituto deu um resultado fora da margem de erro, mas captou perfeitamente o humor do eleitor paulistano e cravou o resultado final, a reeleição do falecido neto de Mario Covas, com exatidão.
No Rio de Janeiro, um caso parecido. O Datafolha previu uma vitória de Eduardo Paes (ex-DEM, atual PSD) contra Marcelo Crivella por 68x32. Nas urnas, Paes venceu por 64x36, novamente uma diferença de 4 pontos entre o resultado da pesquisa e das urnas, num levantamento com margem de erro de 3 pontos. Um equívoco levemente fora da diferença esperada, mas houve a previsão correta do quadro final.
É preciso cuidado ao chamar de "erro" o resultado de uma pesquisa eleitoral feito horas ou dias antes da eleição que não se confirma com exatidão nas urnas, já que a opinião do eleitor é volátil, especialmente nos momentos finais, e nada impede que o instituto tenha captado o momento que antecede o pleito corretamente, mas não tenha previsto a mudança de ideia de alguns eleitores de um dia para o outro. Já houve erros grosseiros, mas são mais exceção do que regra.
Os institutos de pesquisa podem divulgar, mesmo que na véspera do pleito, pesquisas que não se confirmam com precisão cirúrgica nas urnas, considerando a margem de erro, e você deve pensar nisso se entrar numa bolsa de apostas. Mas se você quer apenas antever quem vai ganhar e ter uma ideia aproximada da diferença entre os concorrentes, os institutos mais tradicionais têm se mostrado suficientemente confiáveis. Goste você da notícia ou não.
Você pode optar por ser um Tigranes e mandar "cortar a cabeça", metaforicamente falando (triste ter de explicar isso hoje em dia), de quem traz más notícias, ou arregaçar as mangas e trabalhar com a realidade, por pior que seja naquele momento. Tigranes, o tirano cercado por sabujos, foi vencido pelos romanos. Um resultado que qualquer um poderia prever, mesmo séculos antes da existência de institutos de pesquisa.