Exclusivo: artigo bônus para você, assinante da newsletter!
Um presente de final de ano para você que assina a newsletter. Vem mais coisa boa por aí.
Um presente exclusivo de final de ano: um artigo da Revista Valete, só para assinantes, aberto para você. Espero que goste!
O Calendário Maia Bolsonarista
Alexandre Borges
Era maio de 2021 quando Paulo Guedes, num podcast, disse que o Brasil poderia “virar Argentina em seis meses” e “Venezuela em um ano e meio”. Poucas semanas antes, o STF anulou as condenações de Lula e transformou um presidiário num presidenciável. O PIB do Brasil havia caído 4,1% no ano anterior, a pior queda em 24 anos. Tinha explicação, mas não era divertido. O bolsonarismo estava à beira de um ataque de nervos e seu “Posto Ipiranga” da economia ficando sem combustível.
Nestas horas, o medo aparece sorrateiro, na calada da noite, como péssimo conselheiro. O doutor, que estava entre amigos (“primos ricos”, diga-se), relaxou e abriu o coração. Estava com medo. Um medo que era ainda um sopro gelado que provocava arrepios, mas estava lá. Argentina? Venezuela? Como em Monstros S.A., o ministro sabia que assustar mentes infantis gera energia. Ele estava assustado, mas não queria ficar assim sozinho.
A técnica de usar medo para influenciar comportamentos não é nova, na política e fora dela. Para o cartunista Scott Adams, em seu ótimo livro “Ganhar de Lavada”, o medo é a mais poderosa arma para afetar a opinião pública e o eleitorado. Aos bolsonaristas, muitos deles familiarizados com as ideias do pai do Dilbert, restava tirar o sono do eleitor. O fantasma da venezuelização é um dog whistle que funciona com a classe média brasileira desde que Hugo Chávez resolveu criar uma ditadura para chamar de sua.
A vitória de Jair Bolsonaro em 2018 foi muito impulsionada pelo medo. A prisão de Lula, em abril daquele ano, evidentemente foi o fator decisivo, mas mesmo com o líder das pesquisas na cadeia, o ex- militar tinha muita dificuldade de convencer a maioria do eleitorado. Tudo muda quando, em 6 de setembro, um desequilibrado enfia uma faca de 25cm em seu abdômen, na aprazível Juiz de Fora, criando a cena política mais forte da história recente do Brasil.
Dali em diante, dificilmente Bolsonaro faria um pronunciamento sem chorar e lembrar do atentado. A ideia de que “deu sangue pelo Brasil” evidentemente colou no ideário nacional. Um ex-capitão do exército, excluído da carreira de forma vexatória, acusado de planejar atentados terroristas, num golpe sobrenatural do destino ganha uma narrativa “heróica” para exibir.
Muitos dos presidentes americanos foram ex-militares e heróis de guerra, começando pelo primeiro, George Washington, passando por Andrew Jackson, Zachary Taylor, Ulysses Grant, William McKinley, Theodore Roosevelt, Dwight Eisenhower, Gerald Ford e até George Bush pai. Não há dúvida que foi uma experiência que moldou o caráter deles e da própria nação. Não tivemos esse luxo.
Mesmo Ronald Reagan, que também sofreu um atentado grave, já estava no cargo quando recebeu um tiro quase fatal. Ele costumava se referir ao episódio de maneira irônica e nunca vitimista. Ter drama queens nos cargos mais elevados da nação não combina com o “the land of the free and the home of the brave”.
Num país que não se envolve em guerras, militares só perdem sangue quando se cortam em folhas de papel.
Num país que não se envolve em guerras, militares só perdem sangue quando se cortam em folhas de papel. As Forças Armadas, como um golden retriever que não sai para passear, acabam roendo os móveis de casa. Sua mentes ociosas são preenchidas por teses conspiratórias e livros com teorias lisérgicas. Seus uniformes empoeirados, suas medalhas imerecidas, acabam por empurrar seus músculos flácidos para a procura de inimigos internos. O resultado, invariavelmente, é “subversivos” pendurados em paus de arara.
Bolsonaro usou o ideário dos “bons tempos” da ditadura militar iniciada em 1964 e do seu alegado milagre econômico na virada dos anos 60/70, um dos incontáveis vôos de galinha da economia brasileira, para conquistar os mais velhos e viúvas de “um país que vai para frente”. Os mais novos e sensíveis da geração Z foram conquistados por seu estilo rude, tosco e bizarro, banido do debate público como “discurso de ódio”. Cansados de agendas woke, se rebelaram contra ideias antinaturais enfiadas em suas goelas como comida em gansos para virar foie gras.
O medo foi tão útil que nunca foi abandonado. Se você duvida, consulte as redes sociais do Carluxo. É o que chamo de Calendário Maia bolsonarista. O mundo está sempre para acabar e a única salvação é acender velas e fazer uma genuflexão ao messias dessa pantomima cafona e terceiro-mundista de inspiração neopentecostalista.
Em 2012, muitos caíram no conto de uma interpretação picareta dos fantásticos calendários da civilização maia, tesouros arqueológicos de rara beleza artística e precisão astronômica. Os maias acreditavam que a história se movia em grandes ciclos, o primeiro deles iniciado numa data que, pela qualidade de seus registros, conseguimos calcular com incrível precisão: 11 de agosto de 3.114 a.C. Estávamos na Era do Bronze na Mesopotâmia, no neolítico na Europa e na China. A escrita dava os primeiros passos, ainda não havia pirâmides no Egito, mas os sumérios já começavam a se desenvolver e a data não é de todo estapafúrdia como o marco do início de uma nova fase da humanidade.
Os Maias acreditavam que esta data representava nada menos que a criação do mundo, o primeiro capítulo do seu Gênesis. Ou pelo menos um ponto de reinício. Na sua mitologia, era o momento em que os deuses estabeleceram a ordem do universo e criaram a humanidade. Essa crença está no Popol Vuh, um dos seus documentos mais importantes.
Esse grande ciclo do calendário maia, ou 13º Baktun, durou até 21 de dezembro de 2012. O que aconteceria depois? Para os maias, um novo ciclo começaria, evidentemente, mas os vendedores de castelos na Lua ou terrenos em Ratanabá viram uma oportunidade de faturar com a ideia do fim do mundo e, acredite, muita gente levou a sério. Não foi a primeira teoria apocalíptica criada por espertalhões oportunistas, não será a última.
O calendário maia de Paulo Guedes traria o fim do mundo com a terceira eleição de Lula. Bolsonaristas rezaram para pneus, mandaram flashes de seus smartphones para ETs, ficaram pendurados em caminhões, quebraram os mais importantes prédios públicos do país, tudo em nome de impedir que a premonição do doutor se realizasse, enquanto o líder deles tentava levar joias para Miami. Ninguém é de ferro.
O pavor apocalíptico não venceu, mas ainda há muitos bolsonaristas empedernidos que, diariamente, cantam o fim do mundo nas redes sociais e nos grupos de zap e Telegram. Muitos se perguntam até quando haverá previsões como essas entre os “patriotas” e, embora não queira entrar no negócio das previsões, recorro novamente a Scott Adams.
Numa entrevista em 2017, primeiro ano de Donald Trump na Casa Branca, Adams foi perguntado até quando o bordão “Trump é Hitler!” resistiria no noticiário e nas mentes da esquerda americana. Ele respondeu que duraria um ano. Sua previsão não tem nada de esotérica.
Adams explicou que, na virada do ano, toda imprensa é obrigada a fazer balanços dos últimos doze meses e, por mais que ela tente, não iria achar nada remotamente parecido com uma ação de Trump que lembrasse Hitler. A efeméride seria fatal para as narrativas baseadas em medos irracionais. Um ano.
Quando pensamos sobre as perspectivas da política brasileira em 2024, é preciso conter a vontade de cravar cenários, mas se a fórmula do cartunista estiver correta, faltam poucas semanas para que “Lula vai transformar o Brasil na Venezuela” perca força. O que restará ao bolsonarismo sem teorias conspiratórias anticomunistas e o discurso do medo de que você terá que se alimentar de cachorros enquanto seus filhos trocam de sexo no SUS?
Não podemos subestimar a capacidade do PT de criar marola e dar motivos para pânico. Esta semana, descobrimos que o Ministério da Justiça recebeu, de portas abertas, a esposa de um líder do Comando Vermelho do Amazonas. Suas passagens foram pagas pela pasta dos Direitos Humanos. Essas caneladas petistas serão suficientes para manter o medo vivo na classe média e as tias do zap? Para saber, só consultando o calendário maia. Ou Paulo Guedes.
Na mosca
Excelente artigo e parabéns pela coluna no Antagonista.
Na minha humilde opinião de cidadão acho que Paulo Guedes, mantendo contas em paraísos fiscais, nunca deveria ter sido escolhido como ministro, pois não tem nenhuma postura que defenda os interesses nacionais.