Classe Média, Sua Linda.
Se você quer uma causa realmente que valha a pena, tomo a liberdade de sugerir como construir as bases de uma sociedade saudável, equilibrada e estável.
Para a direita brasileira, poucos alvos são tão fáceis quanto Marilena de Souza Chauí, uma intelectual da cepa stalinista que revira o estômago até da, perdoem o oxímoro, esquerda democrática.
De acusações de plágio até a adesão a teorias conspiratórias de fazer um bolsonarista enrubescer, como acusar Sérgio Moro de ter sido treinado pela CIA, a filósofa que é sinônimo de PT brindou o país com a clássica e infame diatribe, durante a festa de comemoração dos 10 anos do partido no poder, sobre a classe média. Um mês depois, em junho de 2013, o Brasil entraria em convulsão.
“Eu odeio a classe média!
A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez; é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (...)
A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante.”
Marilena Chauí
Suas ideias bizarras e preconceituosas continuam a infectar mentes com baixa imunidade até hoje. Em agosto deste ano, num evento da sua FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP), disse:
"Fico muito agoniada: tomo o Uber e na hora que eu desço e digo muito obrigada, boa noite, o motorista diz: fica com Deus. Eu sei que ele é pentecostal, que é fundamentalista. Eu fico desesperada com essa ideia".
Era um convescote em que cometia um livro sobre as origens do cristianismo, assunto que ela não se envergonha de não conhecer: "A Patrística: Uma Introdução ao Nascimento da Filosofia Cristã", editado pelos companheiros de armas da Companhia das Letras.
Na palestra, Chaui disse que o livro não é cristão, mas sim contrário ao cristianismo. Quem leu (Deus me livre) disse que tem uma bibliografia pobre e falha, não resistindo a uma revisão crítica básica do conteúdo. Ela é a mesma que, num Roda Viva, disse: “eu conheço Deus. Eu não acredito nele.”
Há menos de dois meses, a mesma FFLCH resolveu incluir seu nome numa lista identitária de “professores negros”. Com a repercussão negativa, disse que se via como “parda”, mas que havia autorizado a inclusão. Aos 83 anos, a fundadora do PT e principal referência intelectual da história do partido segue lembrando a todos que nunca é tarde para causar constrangimento.
O que interessa dessa figura nefasta, que parece saída direto de uma animação da Disney, são seus feitiços e poções, suas maçãs envenenadas, e como lidar com eles. Especificamente, seu ataque odioso à classe média, um discurso literal de ódio que curiosamente ninguém parece querer censurar nas redes sociais, com raízes e implicações mais profundas e complexas do que pode parecer.
Aristóteles e a Classe Média
Um dos pais da filosofia encerrou a questão há mais de dois milênios.
"É evidente que a sociedade civil mais perfeita é a que existe entre cidadãos que vivem numa condição média; e que não pode haver Estados bem administrados senão aí onde a classe média é numerosa, e mais poderosa do que as outras duas [ricos e pobres], ou pelo menos mais poderosa do que cada uma das outras; porque ela pode fazer inclinar a balança em favor do partido a que se juntar e, por este meio, pode impedir que uma ou outra (das outras duas) obtenha uma superioridade decisiva."
Aristóteles
Para defender a classe média, você não precisa acreditar em mim. Ninguém menos que o grande Aristóteles, discípulo direto de Platão e tutor do meu xará da Macedônia, foi seu grande advogado há mais de 2.300 anos. Seus argumentos continuam tão definitivos quanto naquela época.
A visão do grande filófoso sobre o tema pode ser resumida neste trecho de seu tratado sobre a política:
"Se numa cidade só há gente muito rica e gente muito pobre, isso implica que ela não se compõe senão de senhores e de escravos - e não de homens livres; uns, cheios de desprezo pelos seus concidadãos, os outros tomados pelo sentimento da inveja; o que fica muito longe da boa vontade e do caráter de sociabilidade que são apanágio do verdadeiro cidadão."
Quase quatro séculos antes de Aristóteles, a sociedade grega arcaica era dividida entre alguns poucos ricos, proprietários rurais, e camponeses pobres. Com o crescimento das cidades-estado, como Atenas, nasce uma classe intermediária de comerciantes, pequenos proprietários de terra e artesãos que mudaria a face daquela sociedade e criaria algumas das bases mais importantes para o que entendemos como civilização ocidental (a outra parte veio de Jerusalém e Roma).
São estes cidadãos atenienses “do meio”, sanduichados entre ricos e pobres, que encantaram o filósofo. Para ele, os intermediários representam o equilíbrio entre as demandas da aristocracia, com sua sede de poder, arrogância e desprezo, e dos pobres, muitos deles revoltados, invejosos e ressentidos. Uma sociedade estável e harmônica tem nesse estrato social sua base não apenas econômica, mas cultural, política e moral.
O artigo poderia parar por aqui, já que o grego encapsulou o que importa deste debate, e se você ainda prefere Marilena Chauí a Aristóteles, não há nada que eu possa fazer por sua alma. Mas é preciso atualizar o debate, que tem implicações realmente sérias para os dias de hoje.
Por que essa gente é chamada de “deplorável” por Hillary Clinton ou “lixo” por Joe Biden? Ou desdenhada como “pequena burguesia” por Marx e tratada como “abominação” por gente como Marilena Chauí, sob o escudo da academia? Por que William Bonner pensa que quem vê o Jornal Nacional é o Homer Simpson?
Por que Richard Nixon disse que o Partido Democrata era o representa dos “muito ricos e muito pobres”, ou seja, do mundo sem classe média? Por que muito mais bilionários doaram para Kamala Harris este ano, a despeito do mantra que repete que a direita representa seus interesses?
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